O Filipe Santos não é um estranho por estas paragens, aliás, em 2015 ele esteve aqui no blog para nos falar um pouco sobre a sua experiência no programa "Operação Triunfo". Hoje, ele está de volta aqui ao blog para nos falar dos próximos projetos e sobre o impacto da pandemia no mundo da música.
Ontem é só Memória: Sabemos que os períodos de confinamento que temos vivido causaram muitos estragos na classe artística, e os músicos não ficaram de fora, como viveste esses períodos e como é que te reinventaste como artista para enfrentar este período?
Filipe Santos: É um tema sensível, tanto para aqueles que realmente o sentem na pele, quanto para outros, os que têm opiniões divergentes, as quais temos de saber ouvir e respeitar.
Estando privado de concertos e do carinho do público que me segue, inevitavelmente fiz o que a maioria dos artistas fizeram, refugiei-me no estúdio e fui registando trabalho. Situação na qual ainda me encontro, assim como a grande percentagem de homens e mulheres ligadas a este setor, digo “a grande percentagem” porque essa parte dos trabalhadores deste setor trabalha fora daquela que é considerada a “linha da frente” com os grandes artistas portugueses do panorama nacional, sendo que esses, que já regressaram a uma dita normalidade, são inevitavelmente uma minoria comparativamente à realidade territorial.
Na quarentena, o mundo virou uma live, em Portugal muitos lives foram e ainda são realizados... Inevitavelmente tenho de avaliar as respostas que outros países deram e, não posso ficar indiferente a situações como as proporcionadas pelo estado francês que negociou com empresas detentoras de redes sociais, e que conseguiu acordos como o pagamento de um valor significativo aos artistas que fazem lives, por cada visualização dos seus vídeos... para não falar que neste e em outros países já existe um regime de subsídios de proteção social para os desempregados nestas áreas culturais, que abrange igualmente todos aqueles que ao estarem privados de trabalhar por doença ou acidentes, são igualmente abrangidos.
Não fugindo à regra, inevitavelmente tenho outro emprego. Com situações destas, existe o paradigma na sociedade e mesmo entre os da própria classe, de se dizer ou pensar que “tu não sofreste na pele a facto de estares sem espetáculos”, visto ter uma outra fonte de rendimento... o que é de facto injusto porque, apesar de ter um salário de um emprego, deixei de ter o salário de outro, que representa muitas vezes mais de 50% do orçamento familiar, do qual também faço descontos e com o qual pago obrigações mensais de investimentos nesta área que não cessaram neste período.
Ontem é só Memória: Falas-te à pouco sobre a legislação e sobre a falta de apoios, acreditas que a culpa é do governo, ou das pessoas que encaram os artistas como uma classe que cuja profissão é desvalorizada? Filipe Santos: Este é um problema de fundo, e não podemos apenas olhar para o grande cenário. Quando penso nestas situações de injustiça, tenho de pensar que a reforma que o setor necessita é realmente urgente e obrigatória para mudar o paradigma e formas de estar na sua base, na pessoa singular, no indivíduo. Para sermos respeitados temos de nos dar ao respeito e, é de todo impossível exigirmos condições, se não vestimos a mesma camisola, se não cumprimos as mesmas regras, se não sabemos estar no meio com uma postura igualitária e que eduque a sociedade a respeitar estas áreas profissionais.
Muitos nesta classe não se dão ao respeito e querem ser respeitados.
Em todas as áreas criativas existem como que “regiões, terrenos, lugares” que são perigosos, tais como, a acomodação, o comodismo, o optar pelo mais fácil... formas de estar que aparentemente trazem segurança. O investimento é sempre pensado a curto prazo e medíocre, pensando no resultado imediato e sempre à espera que “o peixe morda o engodo”, mas a longo prazo vai minando o percurso, vai sabotando os nossos ideais toldando a nossa visão... Tudo o que nos ampara de mais também nos sufoca.
Investir num disco “dá trabalho” e “não há paciência”, o que está na moda é fast-food e o que é antigo já está fora de moda “isso já não se faz”, mas depois ouvimos verdadeiras obras primas da arte sonora em discos de grandes referências... afinal os métodos ainda não estão fora de moda, o que mudou foram apenas as condições tecnológicas.
Costumo pensar nestas situações colocando no lugar do “artista” um outro profissional de outra área, imaginemos um médico a dizer para um paciente “isto é o meu hobby”...
Em qualquer área legislada, se um profissional se fizer passar por algo que de facto não é, chamamos de burlão e aí, estão criadas as condições para que essa pessoa responda na justiça pelo ato elícito que cometeu. Eu até posso tirar grandes fotografias, mas jamais assinarei como fotografo. Imaginemos a gravidade que seria a de alguém que não é médico, abrir um consultório (situação que já aconteceu em Portugal), mas se um médico quiser ter como hobby uma banda de bar pode... não sou contra este cenário e o Sr. Doutor até pode ser Top neste hobby, ter um talento incrível, mas há que haver um separador, há que haver legislação para que regras sejam cumpridas e para que principalmente o público não “misture alhos com bugalhos”, o Sr. Doutor com certeza que não irá negociar com os seus pacientes o custo da consulta.
Em Portugal se alguém quiser ser músico de rua é só ir para a rua e começar a tocar, em outros países já com legislação, existem castings (onde se passa ou se reprova), assim como existe a segurança em contratos que são assinados com esses músicos de rua, onde interesses são salvaguardados, tais como, um seguro em caso de acidentes ou assaltos que possam ocorrer, os descontos a efetuar do dinheiro ganho, a discriminação do repertório que irá ser tocado, o horário e até mesmo o local onde irão estar a atuar. A coisa é levada muito a sério e a generalidade do público apesar de não perceber de música, sente que o produto artístico que está a consumir tem de facto valor.
Com situações destas que referi e muitas outras que apenas partilho com os meus botões, que sempre se passaram dentro destas áreas neste país, penso que seja normal a falta de resposta do estado e a própria falta de união nos pares. “Anda-se a brincar às artes” e depois os que realmente precisam de respostas adequadas por parte do estado, não as têm. Infelizmente por um pagam todos.
Muito há a dizer sobre tudo isto, sendo que cada área artística é uma área diferente da outra e, o que refiro com exemplos de outras áreas, podem não ser exemplos de facto justos. No fundo, o que penso e refiro sobre estas situações (entre muitas outras), tem a ver realmente com uma inexplicável inexistência de legislação adequada para os trabalhadores da Cultura, com o objetivo da obtenção de valores e justiça para com este mercado de trabalho que é e se pretende profissional.
Olhemos para os bons exemplos que se praticam cá dentro e lá fora e, queiramos seguir o que de bom se faz. Com tudo isto estamos a educar uma sociedade futura que se quer e a qual desejamos, melhor do que a nossa.
Ontem é só Memória: Como é que este período de adaptação e reinvenção te mudou como músico?
Filipe Santos: Não digo que me tenha mudado como músico, mudou-me sim como pessoa e acredito que tenha mudado muitas outras para melhor.
Este período tem sido de facto um período de adaptação a novas realidades, por um lado perdeu-se o contacto direto com o público, por outro tudo se aproximou de forma virtual. Penso que apesar de todos os constrangimentos, o melhor de tudo foi o tempo que se ganhou de vida quotidiana em família, com os nossos, onde os laços de afeto e amor se fortaleceram mais do que nunca.
4. Ultimamente temos visto muitas notícias sobre a tua participação no programa "all together now", o que te levou a embarcar nesta experiência?
Filipe Santos: O propósito da minha participação teve a ver com um feeling que senti num determinado momento, em que estava em estúdio a trabalhar, como que um chamamento... sou muito destas coisas... ao longo do percurso pelos dias da nossa vida, acredito que as oportunidades estão ali mesmo ao lado, basta estarmos atentos aos sinais que, de alguma forma, nos são transmitidos. Senti um enorme desejo e motivação de ali ir, senti que era ali onde deveria de estar naquele momento e assim foi.
O ato da decisão final na minha participação, passou por muitas considerações com as quais me debati interiormente e discuti com os meus próximos, ponderando os prós e os contras, traçando todos os cenários possíveis (bons e maus) do pós programa. O que sinto é como que "uma missão efetuada com sucesso" ou melhor, sinto que o objetivo a que me propus foi realizado.
Há 18 anos que não aparecia num horário nobre da TV e aquilo que pensava que iria acontecer, aconteceu. Apesar de ser músico e compositor desde muito novo, para a exposição nacional e mediática "nasci na Operação Triunfo", numa altura em que não haviam redes sociais, YouTubes, etc.
O resultado que pretendia desta participação nunca passou pela angariação de pontos para prosseguir no programa, esse nunca foi o objetivo, e sei que essa mensagem foi a que passou para a maioria de todos os que assistiram ao programa e que sentiram esse momento.
O outro lado foi o gozo pessoal que me deu em estar ali, agora com outro coração, com outra perspetiva, a energia que consegui passar e, ... caraças!!!... o registo que fica desta atuação que muito me orgulha.
Uma curiosidade, e porque tudo na minha vida tem de ter um significado e, a cada passo dado, uma ponte, um elo de ligação, a música que interpretei dos U2, "Where the streets have no name" foi precisamente a última que cantei na grande final da Operação Triunfo em 2003.
Ontem é só Memória: Ainda sobre a tua participação neste programa, como é ser avaliado por vários elementos nomeadamente dois "colegas de escola"?
Filipe Santos: Não me senti em nada avaliado, muito provavelmente porque também não estava com esse estado de espírito. As palavras que o Rui Drumond me dirigiu em nada tiveram a ver com avaliação, tiveram a ver com persistência, trabalho, foco num objetivo, o acreditar a cada dia que nos podemos superar e em darmos mais um passo em frente.
Percebo que estes programas atualmente, tendem de alguma forma procurar em cada concorrente histórias pessoais que agucem a curiosidade do grande público, situações normais nos dias de hoje no mundo televisivo em primetime.
Senti o respeito a cada passo nesta aventura por parte da produção do programa, que dos inúmeros factos que relatei na entrevista, o foco da edição nos conteúdos que a produção escolheu para divulgar na VT de apresentação e que antecedeu a minha atuação, teve como base o amor, o sonho, a amizade... tudo o que falei sobre situações do dia a dia, familiares, do trabalho fora da música, entre outras, não apareceram, tendo sido dado única e exclusivamente ênfase apenas ao verdadeiro motivo que me levou ao programa, o reavivar de memórias, a minha música.
Ontem é só Memória: Nas tuas publicações dizes que um novo álbum vai ver a luz ainda este ano, já existe uma data prevista, o que nos podes contar sobre ele?Filipe Santos: Chama-se "
Acústico" e
é um trabalho gravado ao vivo, num concerto intimista, “à luz das velas”, de música e de palavras que fazem parte das histórias de todos nós.
É uma viagem que nos leva a percorrer o trajeto de 18 anos realizado ao longo dos 4 discos anteriores, moldando o repertório elétrico anteriormente apresentado à sonoridade acústica.
Irá ser divulgado no último trimestre deste ano, até lá irei divulgar no primeiro dia de cada mês um single.
Ontem é só Memória: O que é que o álbum "Acústico" vai trazer de diferente? Como surgiu, e quais foram as inspirações?Filipe Santos: Este novo trabalho surgiu devido ao confinamento. Antes do período de pandemia ter chegado a Portugal,
já tinha gravado aquele que será o meu próximo disco de estúdio intitulado “Conta Comigo”, do qual estava a filmar os videoclips. Com os constrangimentos que este período trouxe a todos, juntamente com o meu produtor Nani Teixeira, decidimos avançar para a divulgação do disco ao vivo “Acústico”, trabalho que iria apenas sair após o lançamento do disco “Conta Comigo”.
Digamos que trocamos aqui as voltas à ordem de lançamento destes registos.Este “Acústico”,
apesar de estar agora em pré-lançamento, com a divulgação de singles ao primeiro dia de cada mês e até ao final do ano, tem a função de recordar o trajeto efetuado nestes 18 anos de percurso, ganhando igualmente a dimensão de fazer a ponte para o futuro que se apresenta já no disco “Conta Comigo”.
Ontem é só Memória: E além deste novo álbum, quais são os teus projetos para um futuro próximo?Filipe Santos: Como referi anteriormente,
o futuro próximo passará pela divulgação do disco de estúdio “Conta Comigo”, já gravado, o qual será apresentado de uma forma nunca antes vista.
Neste trabalho constituído por
12 obras musicais inéditas, contei com a colaboração em coautorias de diversos autores convidados e um dueto com uma voz reconhecida e premiada do panorama musical português.
Levantando um pouco o véu sobre este projeto, posso divulgar que
será apresentado em 12 videoclips gravados em diversos locais pela Europa e África, sendo que esta apresentação não ficará apenas por aqui.
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